Vestindo a principal camisa do futebol húngaro, Marquinhos Pedroso conta a experiência de jogar no país de Puskás

(Divulgação: Facebook)

No Brasil, 9:30 da manhã, em Budapeste, 14:30. Hora do café para alguns aqui, momento decisivo para outros por lá. Enquanto o sábado da maioria dos brasileiros era arrastado pela gostosa preguiça de enfim poder acordar um pouquinho mais tarde, o dia do catarinense Marquinhos Pedroso já tinha começado há horas. Em clima de concentração, foco, decisão. Morando na Hungria há nove meses, o brasileiro era relacionado novamente para entrar em campo e defender a liderança do campeonato local com as cores verde e branca do Ferencvárosi. Nome talvez desconhecido para nós brasileiros, porém dono de imensa paixão e orgulho para os húngaros.

Fundado 1899 para servir como “clube da massa” á população de menor renda, as águias verdes são os maiores campeões da terra de Puskas e Sandór Kocisis. Somam ao todo 29 ligas nacionais, mais de 30 troféus em copas internas diferentes e os históricos bi-campeonato da Taça Mitropa e título Taça das Cidades com Feira, campeonatos na época equivalentes as hoje Liga dos Campeões e UEFA Europa League, respectivamente. Uma sala de conquistas que deixa qualquer torcedor do Ferencvárosi tranquilamente apto à dizer que torce para uma das maiores camisas do mundo.

Com a capitalização do futebol cada vez mais radical, hoje em dia pouco se ouve falar do clube ou do futebol húngaro em si, já não tão mais presente nas fases de grupos das copas europeias. Contudo, a vontade de vencer e sentir na pele o prazer de vestir um grande manto não deixaram Marquinhos Pedroso alheio.

Tendo mercado em ligas mais conhecidas e no Brasil, país que ele deixaria em 2016 como um dos jogadores mais valorizados de sua posição, o jovem lateral esquerdo de 24 anos explicou sua escolha pelo verde e branco de Budapeste, revelando inclusive a insistência da cúpula do Ferencvárosi em contar com seus serviços. “A oportunidade de atuar aqui já havia acontecido em 2015, mas naquela altura o Figueirense acabou recusando a proposta que era de empréstimo. Já conheciam bem o meu futebol e entre a transição de 2017 para 2018 recebi essa oportunidade novamente, e dessa vez o Figueirense aceitou.”

Lembrado por Pedroso algumas vezes, o Figueirense é o clube que o lateral foi revelado e mais atuou no Brasil. Os tempos de furacão ainda são bem vivos na memória, algo facilmente notado até mesmo quando o jogador fala um pouco de seu atual treinador, o alemão Thomas Doll, que já comandou o Borussia Dortmund e está no Ferencvárosi desde 2014. “Ele me recorda bastante o Argel Fucks.” Responde, ao ser perguntado sobre o perfil do técnico alemão. Contando também um pouco de suas características. “É um cara que preza bastante pelo futebol bonito, já foi camisa 10 da Seleção Alemã e procura muito nos fazer jogar da forma que ele atuava dentro de campo. Tentamos sempre desempenhar o melhor e mostrar um futebol vistoso, que é o que ele cobra".

“No Brasil se tu fizer dez jogos bons e errar um passe no décimo primeiro acaba sendo vaiado.” — Marquinhos Pedroso.
As analogias com o futebol brasileiro não pararam por ai. Além do Figueirense, Marquinhos Pedroso também passou por Novo Hamburgo, Guarani e Grêmio. Este último reconhecidamente como clube de inflada pressão. Como será, então, jogar no Ferencvárosi dentro da Hungria? Algo parecido como atuar no tricolor dos pampas aqui? Para Pedroso, as proporções ainda que pouco parecidas, são no geral bem diferentes. “As pressões não se comparam. Ai no Brasil as críticas são constantes, tu faz dez partidas boas mas se errar um passe na décima primeira a torcida começa a vaiar.” O costume errado no trato pessoal com o jogador no Brasil também tem a influência de parte da imprensa, de acordo com Pedroso. “Até alguns veículos da imprensa acabam criticando de uma forma que é incompreensível. Aqui fora isso não acontece, o respeito é bem maior".

Ainda assim, o lateral deixa claro que jogar no Ferencvárosi exige muita personalidade para um atleta, afinal, lá também há grande fanatismo e ultras que pegam no pé por bons resultados. “Como em todo lugar a pressão existe, é claro. A torcida aqui é bem fanática, tem os famosos hoollingans, e quando a coisa não está boa o bicho pega.” O momento, para a paz de Pedroso e de seus companheiros, no entanto, é o melhor possível. “Graças a Deus estamos fazendo um bom campeonato e a torcida vem nos apoiando da melhor maneira”.


Acompanhando o time em busca do 30º título nacional, a torcida do Ferencvárosi costuma marcar boa presença nos jogos dentro da Groupama Arena. (Divulgação: Facebook)

“Eles levam muito a sério e é um clássico extremamente violento que conta com muitas mortes.” — Marquinhos Pedroso, sobre o maior derby da Hungria.

Semelhante a qualquer outro país que tem o futebol como um dos portfólios de lazer, na Hungria também existem grandes rivalidades e uma série de clássicos. Porém nenhum com a importância do confronto entre Ferencvárosi e Újpest. Localizado na outra parte de Budapeste, o Ujpest não vive os seus melhores dias. Ainda assim, continua a ser um dos grandes campeões nacionais do país e o único além de Ferencvárosi, MTK e Budapest Honvéd a ter taças continentais em sua sala de troféus.

Odiadores confessos até por questões políticas do passado, o derby entre os dois clubes costuma ser violentamente pegado tanto fora quanto dentro campo, como explica Marquinhos Pedroso. “Eles levam o clássico muito, muito a sério. É um derby extremamente violento fora das quatro linhas e muito disputado dentro de campo também.” Para tecer uma mediação exata da rivalidade, Pedroso fala inclusive da falta de limite exacerbada entre as duas torcidas. “Aqui as torcidas realmente se odeiam e acaba acontecendo muitas mortes. Como eu já tinha comentado antes, existe o hooliganismo e eles são muito loucos, quebram tudo mesmo com um número enorme de policiais para tentar tomar conta”.


Jogar no Ferencvárosi deu a Marquinhos Pedroso a oportunidade de poder dividir o vestiário com duas lendas vivas e ainda em atividade do futebol húngaro. Ídolos nacionais e talvez os dois jogadores húngaros mais bem sucedidos na carreira entre as últimas duas décadas, os meias Zoltán Gera e Tamás Hajnal vivem seus últimos momentos como atletas profissionais nas águias verdes. Enquanto o primeiro conquistou mercado e estabilidade jogando a Premier League, o segundo tem bonita história na Bundesliga. Juntos, somam mais de 150 convocações para a Seleção Húngara. Motivos mais do que suficientes para viverem da idolatria da população do país.
Não por acaso, a admiração aos dois também é estendida para o lateral brasileiro, que, sem poupar elogios, os define em uma breve frase: “Caras brilhantes que jogaram em tudo quanto é lado e possuem histórias lindas.” A humildade e devoção dos ídolos ao Ferencvárosi também impressionam a Pedroso. “São incríveis, tentam ajudar os mais jovens de todas as maneiras e fazem um trabalho diferente dentro do clube, que vai muito além da parte de campo”.

História bonita no futebol húngaro também tem o brasileiro Leandro de Almeida. Desconhecido em nosso país, aonde só teve uma passagem rápida pelo Atlético Paranaense em 2005, o meia joga por lá desde 1999. Hoje com 36 anos e depois de aventura no futebol do Chipre, Leandro está na sua terceira passagem pelo Ferencvárosi, onde é ídolo e coleciona conquistas.
Como tempero, ainda foi naturalizado e teve a chance atuar na Seleção tri-campeã olímpica e duas vezes vice mundial. Multicampeão e com rodagem por quatro clubes diferentes em solo húngaro, Leandro de Almeida foi importantíssimo para ajudar Marquinhos Pedroso a se adaptar. “O Leandro me ajudou muito aqui, até por ser um cara que fala húngaro. Me passou muitas dicas sobre a cidade, coisas para ajudar na minha vivência. Além de ser uma pessoa espetacular".
Possuindo 16 títulos por campeonatos diferentes dentro da Hungria, a idolatria a Leandro de Almeida não é á toa, e foram claras para Marquinhos desde os primeiros momentos. “É um cara com uma história muito linda aqui no futebol local. O pessoal gosta muito dele e o acolheu muito bem, até por ser brasileiro, que é um povo adorado em qualquer parte do mundo”.

Terceiro da fila em treino da Seleção Húngara, Leandro de Almeida foi formado no Corinthians e tem rápida passagem pelo Atlético PR. Atleta foi importante para adaptação de Marquinhos Pedroso no Ferencvárosi. (Divulgação: Federação Húngara)

Viver na Hungria também deu uma repaginada na carreira de Marquinhos Pedroso. Mesmo destacando-se ambas as vezes, o lateral acabaria rebaixado com o Figueirense em dezembro de 2016 e com o turcos do Gaziantepspor, sete meses mais tarde. Ir para o Ferencvárosi determinaria um novo curso, visto que o clube era o principal de seu país e em teoria brigaria nos lugares de cima. As expectativas teóricas deram lugar a certeza. Dos 25 jogos que fez na atual temporada, os verdes e brancos só perderam três e contam as rodadas nos dedos para poderem dar a volta olímpica.

Rival na disputa pelo caneco, o antes modesto Videoton acirra a briga e espera por tropeços das águias verdes. O clube, da cidade antiga residência real húngara, passou a embrulhar troféus depois de 2005 e outra vez intrometeu-se ao meio dos grandes para tentar o seu terceiro campeonato em sete anos. Ciente das dificuldades que terá no final da campanha, Pedroso, perto de seu primeiro título de campeão nacional na carreira, mantém o discurso de foco máximo. “Estamos muito firmes, numa sequência muito boa e mantendo a primeira colocação durante grande parte da liga. Essa disputa com o Videoton está muito complicada, mas estamos conversando bastante nos treinamentos e sabemos que agora é mais no coração e na inteligência".

Confessando “está gostando muito” da experiência de jogar no futebol húngaro, Marquinhos Pedroso espera consagrar a boa temporada que faz junto aos seus companheiros com o título. “Se Deus quiser vamos conseguir”, admitindo não pensar no futuro, mas sonhando ser vencedor no presente.

* Texto postado no Medium em 10 de abril de 2018. 

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